Ronaldo Evangelista para Goma-Laca, Janeiro 2014
Em busca das mais antigas gravações de temas afrobrasileiros – ou brasileiros com influência africana -, abaixo você ouve e lê breves contextos e comentários desenhando os primórdios dos registros, adaptações e estilizações da música ritual em disco. Trabalho em construção, em breve parte 2. Adições, sugestões, lembranças, observações são muito bem vindas.
O rádio ainda não havia completado dez anos no Brasil, o cinema começava a ser falado, o samba prestes a se cristalizar como o gênero nacional por excelência. Em 1926 a Odeon assumiria sua fábrica brasileira das mãos da Casa Edison e em 1929 chegavam ao país as gravadoras multinacionais Victor e Columbia. Naquele fim de anos 20 as gravações eletromagnéticas sobrepunham-se definitivamente sobre as mecânicas e o microfone abria um mundo de possibilidades. Com a popularização das vitrolas, os registros musicais comerciais encontravam o formato que seria seu padrão por décadas: chapas de dez polegadas, feitas de cera de carnaúba e goma-laca, girando a 78 rotações por minuto.
Pixinguinha tornaria-se artista e arranjador da Victor em 1929 e lançaria “Carinhoso” em 1930, mesmo ano em que Noel Rosa e Carmen Miranda teriam seus primeiros hits, “Com que roupa?” e “Taí”, e em que famosamente Almirante pela primeira vez levava ao estúdio de gravação uma batucada de escola de samba, para a gravação de “Na pavuna”, com tamborins, cuícas, surdo, reco-reco. A partir daí, samba, choro, marcha e o mercado brasileiro de discos tomavam impulsos definitivos e definidores.
Enquanto isso, ao longo de um longo processo sincrético, a influência africana permeava-se por diversos ritmos além do samba, como lundu, maxixe, embolada, cateretê, chula, samba de roda, maracatu, coco e batuques em geral. Na região da Praça Onze, no centro do Rio de Janeiro, ficava a casa da baiana Tia Ciata (falecida em 1924) e a área que Heitor dos Prazeres chamou de “Pequena África”, frequentada por compositores e músicos como Heitor, Pixinguinha, Donga, Sinhô, João da Baiana. Entre saraus e batuques, choros e pontos, nascia lá o que se convencionou chamar de primeiro samba gravado, em 1917, “Pelo telefone”, assinado por Donga – embora fale-se até em um “Samba africano” gravado em 1915.
Ou seja: de alguma maneira, os ritmos ancestrais vindos do continente onde nasceu o homem já estavam imbuídos na música brasileira desde sempre. No ano da abolição, 1888, Chiquinha Gonzaga havia composto o “jongo-dança” “Candomblé”, para coro e piano, com anotação para “instrumentação no estilo africano”. Silvio Romero desde século XIX recolhia cantos populares que mostravam a influência. Villa-Lobos já fazia harmonizações de temas folclóricos negros, pra não falar em Hekel Tavares. Mas os ritmos africanos eram mais estudados antropologicamente do que musicalmente, mais estilização que ritualização.
Mas a essa altura, pelos anos 20, o imaginário da cultura afrobrasileira já se infiltrava intensamente na música popular, e os ritmos tornavam-se mais foco de atenção. Vários sambas falavam em “macumba” e/ou assimilivam modos, termos, imaginário dos rituais afrobrasileiros. Pode-se falar no samba (quase de roda) “Cangerê” de Chico da Baiana, com Bahiano e Izaltina, gravado em 1920, que fala em “figa”, “benzê” e “feiticeiro” (e “meu Deus”). “Macumba gêge” de Sinhô, samba meio maxixado cantado por Bahiano em 1923, dizia “Ê gegê meu encanto / Eu tinha medo se não tivesse bom santo”. O samba “Dona Clara”, de Donga, gravada por Patricio Teixeira em 1927, cita vários orixás, falando em Exu, Xangô, Ogum, Oxalá, “macumba”, “feitiço” (e “Deus”). Em “Sete flexas”, samba de Freitas Guimarães gravado em 1928 pelo maior cantor da época, Francisco Alves, ele cantava que “até meu nome já botaram na macumba”, mas “o meu corpo é fechado, o meu santo é muito forte”.
“Na Pavuna” falava que lá “tem macumba, tem mandinga e candomblé”. “Nego bamba”, samba cantado por Otília Amorim, fala em “mandei fazer um despacho” e ainda tem paradinha com batuque marcado à moda de “Na pavuna” de Almirante e outras músicas de 1930, como “Vou girá” com Mota da Mota e “Vou te abandonar” com Paulo Oliveira, ou Paulo da Portela. Esta, aliás, com o Grupo Prazeres, de Heitor, outras das primeiras gravações com batuque em estúdio e ainda com a fama de ser uma das primeiras com o vocal principal chamando o coro pro recomeço: “agora eu vivo…” Do outro lado do mesmo disco de Paulo Oliveira e Grupo Prazeres, a embolada “Tia Chimba”: “Macumbe-bê Macumbê Macumbá-bá / Macumba é bom mas eu não vou lá”. Havia ainda “Na macumba” samba de Ernesto Pimentel de 1925, “Macumba de Antonica” samba cantado por Artur Castro em 1926, e diversos outros exemplos similares, pra não citar faixas como “Pemberê” e “Sarambá”.
Era inevitável, próximo passo, começar a querer registrar com mais fidelidade o que se ouvia em terreiros, pela primeira vez pelo menos em gravações comerciais, naquele momento de boom do disco que acontecia na virada dos anos 20 para 30. Entre os cerca de sete mil discos lançados no Brasil no período mecânico, entre 1902 e 1927, ou entre os praticamente inexistentes recolhimentos sonoros (a famosa Missão de Pesquisas Folclóricas só aconteceria em 1938), talvez hajam registros próximos ou incidentais afrobrasileiros, mas foi na aurora da fase de gravação elétrica que se tentou recriar a música ritual (ou se criar especificamente inspirada por ela) em estúdio e catalogar no selo como ritmo literalmente genérico “Macumba”. No primeiro momento do período elétrico, ali entre 1929-1932, os primeiros e principais a se inspirar a levar pro estudio algo mais próximo dos terreiros, estilística ou literalmente, foram Amor, J.B. de Carvalho e Pixinguinha com Donga e Gastão Viana, com momentos de Josué de Barros, Gusmão Lobo e Benedito Lacerda, adaptações de Stefana de Macedo e Elsie Houston e o inacreditável 78 dos Filhos de Nagô, entre outras proximidades.
Em 4 de outubro de 1933 Mário de Andrade proferia a conferência “Música de Feitiçaria no Brasil” na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro. Para compor o texto, mesclou análises que já havia anotado de discos de sua coleção de teor afrobrasileiro lançados até 1932. Entre seus 78 rotações, Mário tinha doze discos do que a pesquisadora Flavia Toni (no livro “A Música Popular Brasileira Na Vitrola de Mário de Andrade”) chama de “Feitiçaria Carioca” (a maioria que você pode ouvir no play acima): Mano Elói e Amor com “Macumba” (Canto de Ogum e Exu), Gusmão Lobo com “Orobô”, Antonio Moreira da Silva Mulatinho com “Aurê de Ganga”, “Cafioto”, “Ererê”, “Rei de Umbanda”, “Na Mata Virgem” e “Auê”, Francisco Sena com “Quem tá de ronda” e “Meus Orixás” e o Conjuncto Tupy com “No terreiro de Alibibi” e “Mironga de moça branca”. Além da leitura do texto (e de um recital de piano e voz), Mário promoveu a audição de dois do que chamou de “cantos de macumba” em disco: “No terreiro de Alibibi”, do Conjunto Tupi e “Canto de Ogum”, de Eloy Anthero Dias e Getúlio Marinho – que chamou de “cientificamente perfeito”.
O que floresceu no Brasil foi resultado de séculos de sincretismo entre povos de diferentes origens do continente africano com as culturas que dividiam no Brasil – portuguesa, indígena, francesa. Sincretismo que já vinha se desencadeando de lá, com a presença do Império Português no continente, e desenvolveu-se a seu tempo na saída da África com a intensa mistura de diferentes povos, costumes, saberes, sons, seres humanos. Hoje já discute-se termos como “jêje” e “nagô” serem intrinsecamente metaétnicos e entende-se que essencialmente os conceitos de nação, etnia, modos da língua, registros da memória, uso da própria história já eram geralmente diferentes entre si pela enorme África e definitivamente diferentes dos que nos acostumamos na América colonizada pela Europa. Muito do samba veio d’Angola e do Congo e muito da música ritual afrobrasileira veio da tradição iorubana, mas indubitavelmente muito desenvolveu-se aqui, com todas as adversidades e particularidades sincréticas. O processo continou e se infiltrou nos modos da música popular e na indústria do disco. Purismo é um mito.
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César Nunes – Imitação d’um batuque africano (78 rpm Victor 98.702, 1909) – Imitação
Cantor-ator brasileiro que havia passado anos em Portugal (a ponto de ter sotaque luso), César Nunes vinha dos resquícios do vaudeville do século XIX e no começo dos 1900 fazia no Rio de Janeiro o papel de “fonógrafo humano” em revistas teatrais como “Dinheiro Haja!”. Entre 1908 e 1925 gravou 20 discos para Odeon, Casa Edison, Victor e Columbia – não havia tantos gramofones no Brasil nem no mundo, rádio ainda era um sonho, discos ainda não eram a força cultural e comercial que conhecemos. Em 1908 o músico gravou a faixa “Batuque de pretos” (Odeon 108.102), classificada como “cômica alegre”, com sonoridades genéricas criadas com sua voz imitando a sonoridade da fala e instrumentação da cultura africana exilada – faixa que segundo José Ramos Tinhorão (em seu livro “O Rasga: uma dança negro-portuguesa”) era na verdade uma interpretação do ritmo português rasga, só que falando de “ganzá”, “o preto com mais a preta” etc. Pouco depois, César Nunes gravou outra versão da mesma imitação em ritmo de rasga, agora chamada de “Imitação d’um batuque africano”, cruzando mais o imaginário afrobrasileiro com seus costumes portugueses, imitando o som do ganzá, sons de quase yodel e cantando trechos que falam em “o cabinda à volta do rio / ficou pasmado de ver o navio”, “fuma charuto de pórvora”, “orê orá”. Ainda estava longe de ser uma documentação da música feita por africanos e descendentes, mas foi um dos primeiros registros da sua sonoridade, ainda que feita como chiste e por um branco.
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Bahiano – Sai exu (Donga e Otávio Vianna) (78 rpm Odeon 122.144, 1922) – Jongo Africano
Benício Barbosa e H. Chaves com a Orquestra Típica Oito Batutas – Sai Exú (Donga) (78 rpm Odeon 10.263, novembro de 1928) – Jongo
Donga era mestre em incontáveis adaptações de temas populares, desde pelo menos o “primeiro samba” “Pelo telefone” em 1917. “Sai Exu” era tema assinado por ele, classificado como “jongo”, tirado do repertório d’Os Oito Batutas e com eles gravado em 1928 pelo ex-crooner da Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, Benício Barbosa (no mesmo ano em que também lançou o samba “Candomblé”, de Dario Ferreira). Além do refrão “Vamos saravá”, a letra diz: “Tenho o corpo fechado pra receber o que vié / Pode mandá pra cima de mim teu sujo candomblé” e “Pode fazê despacho com cabeça de urubu / Hei de sair à rua gritando sempre sai exu”. De fato, a relação dos rituais afrobrasileiros com o samba era íntima, desde pelo menos os batuques da casa de Tia Ciata, frequentada por Donga e Sinhô, e tudo que ela trouxe da Bahia – maior concentração de pretos no país que mais recebeu africanos escravizados.
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Stefana de Macedo – Batuque (Dança do Quilombo dos Palmares) (78 rpm Columbia 5.093, novembro de 1929) – Dança
Menos de meio século depois da abolição, com os negros ainda vistos como figuras “selvagens”, mas com o interesse cada vez mais crescente por sua cultura, a “folclorista” Stefana de Macedo gravava o “Batuque” categorizado como “Dança do Quilombo dos Palmares”, de fim do século XVII, segundo algumas fontes a canção mais antiga conhecida no Brasil. Com suingue sincopado e batuque no violão, Stefana canta: “Folga nego, branco não vem cá / Se vier, pau há de levá”. (Do outro lado do disco, “História triste de uma praieira”, dez anos antes de Caymmi lançar sua primeira “canção praieira”.) Em setembro de 1929, em tom deslumbrado e algo racista, como era o tom da época, crítica do disco no jornal O País dizia: “Batuque” é monumental. Quem o ouve adquire a impressão exata de estar presente, sem que ninguém o veja, às prodigiosas festas íntimas dos negros, verdadeiras reuniões privativas dessa raça nas quais ela passa momentos de completa independência e dá largas à sua natureza meio selvagem. Nessa música temos a África tornada brasileira e revemos os tempos em que o negro nas suas reuniões privadas, às vezes de caráter algo religioso, dava expansão à sua revolta contra a tirania exercida pelo branco.”
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Josué de Barros – Babaô Miloquê (Macumba de Josué de Barros) / História de um capitão africano (Batuque humorístico de Josué de Barros) (78 rpm Victor 33.253, fevereiro de 1930)
Em 1929 Josué de Barros entrou para a história ao conhecer Carmen Miranda e a levar pra gravar pela primeira vez. Baiano, professor de violão e compositor, além de descobridor da Carmen teve outra primazia pela mesma época: gravou o primeiro “batuque africano” no Brasil, composição sua com refrão com gosto de folclore, “Babaô Miloquê”. Com o forte refrão “Ou mamã mai mô, babá / Babaô miloquê, jocô”, ele ainda fala em Iansã, Iemanjá, Oxalá e cita “candomblé”. Ainda meio jongo-maracatu, começa a assimilar algumas influências do terreiro, gravando com agogô, tambores, naipe de sopros. Em fevereiro de 1930 o jornal Correio da Manhã contava de sua relação com despachos no Bonfim e dizia: “‘Babahú miloquê’, batuque africano, é no gênero o único que existe gravado.”
No outro lado do disco, “História de um capitão africano”, peça cômica em que imita um pai de santo e canta vários termos nagô, com participação brevíssima de sua pupila Carmen. Não muito distante da imitação de César Nunes, mas agora pelo menos com um pouco mais de conhecimento de causa. Mário de Andrade gostou. Na capa de sua cópia do disco (in: “A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade”), escreveu: “Uma das grandes vitórias da discografia nacional. Admirável como caráter, tradição, invenção, riqueza de combinação instrumental. No Babaô o ambiente de percussão lembra o dos maracatus pernambucanos.” Também comentava, relativizando “tradição”: “O autor, Josué de Barros, se viu na contingência de fazer coisa ‘nova’. Mas o novo pro indivíduo folclorizado é muito relativo e as mais das vezes se confina (felizmente) em desencavar passados que guardou de sua própria vida, ou lhe deram por tradição. Toda originalidade do Babão Miloquê está nisso. Uma orquestração interessantíssima que, excluindo os instrumentos de sopro, é exatamente, e com menos brutalidade no ruído, a sonoridade de percussão dos Maracatus do Nordeste”.
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Gusmão Lobo – “Orobô” (Cícero de Almeida) (78 rpm Odeon 10.577, março de 1930) – Ponto de Macumba
Outro disco também encontrado na coleção de Mário de Andrade, admirador e colecionador dos primeiros pontos gravados em disco. Lançado no comecinho de 1930, por Gusmão Lobo, cantor que gravou pouco, para a Odeon, assinado por Cícero de Almeida, parceiro de Donga e de Pixinguinha (em 1929 tinha feito letra para “Gavião Calçudo”), classificada de “Ponto de macumba”, o que faz dele um dos primeiros registrados em disco. A letra fala em “preto velho, filho do congo”, “mãe de santa com olhinho virado” e no final cita expressões em nagô, em arranjo com naipe de sopros, tambores abafados, banjo.
O Correio da Manhã em março de 1930 comentava a crescente onda fonográfica nacional e aquelas novas músicas com “típico sabor de brasileiras”, na qual incluía “Orobô”: “Mais depressa do que se esperava está se fazendo sentir um dos resultados do extraordinário impulso que a fonografia acaba de tomar no nosso país. É um resultado já vultoso, entusiasmador, excelente, robusta concretização inicial de um futuro maravilhoso que se torna, pois, realidade. Consiste ele no grande estímulo que traz aos compositores e pesquisadores de músicas populares, levando-os não só a trabalhar com prazer, porque conseguem compensação para o seu labor, como, dada a natural concorrência, a melhorar incessantemente seus processos. (…) Graças ao fonógrafo, já são muitas as magníficas revelações da arte do povo, dignas de admiração e de serem apreciadas no mais alto grado. O “Batuque do Quilombo dos Palmares”, “A história triste de uma praieira”, cantadas por Stefana de Macedo (Columbia), “Orobô”, interpretado por Gusmão Lobo (Odeon), “Dança dos ursos”, de Pixinguinha (Brunswick), “Babaô Miloquê” de Josuê Barros (Victor) (…), entre outras, aí estão gravadas com todo seu típico sabor de brasileiras, esplêndidas de ideias e vibração, atestando a pujança surpreendente da nossa música, no país inteiro disseminados pelo benemérito disco que, assim, nos revela riquezas mal suspeitadas.”
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Eloy Anthero e Getúlio Marinho com o Conjunto Africano – Ponto de Inhansan / Ponto de Ogun (78 rpm Odeon 10.679, agosto de 1930) – Macumba
Eloy Anthero e Getúlio Marinho com o Conjunto Africano – Canto de Exu / Canto de Ogum (Popular) (78 rpm Odeon 10.690, setembro de 1930) – Macumba
Em agosto de 1930, o Correio da Manhã publicava: “Nas estranhas cerimônias dessa perturbadora religião do elemento negro do nosso povo, na qual a base é uma mistura de crendices africanas com superstições do catolicismo deturpado, encontra-se uma infinidade de assuntos de natureza musical que são dignos de observação para os estudiosos e constituem ótimo prazer para os apreciadores da verdadeira música popular. Uma vez por outra aparece um disco nesse gênero, sempre recebido justamente com agrado, como não há muito a esplêndida chapa, também da Odeon, que traz “Orobô” cantado por Gusmão Lobo e conjunto. Nenhum, porém, faz jus a tão grande sucesso quanto “Macumba”, ora editado pela Odeon, pois nesta chapa há o que de mais sugestivo existe neste gênero e, ainda para mais, os intérpretes são os verdadeiros, os elementos que compõem um dos mais famosos agrupamentos da misteriosa religião. É a gente que no terreiro se entrega aos numerosos detalhes do esquisito rito, com o espírito agitado por uma espécie de alucinação coletiva. Aqui estão eles, ora na melopeia do ponto de Inhanssan, ora no soturno ponto de Ogun. (…) Trabalho fonográfico primoroso que constitui um dos maiores acontecimentos do ano corrente.”
Era a primeira vez que um ponto de verdade era registrado em disco. Não era adaptação, inspiração, citação, mas um canto ritual, gravado sem produção musical além da própria intrínseca, sem sopros ou instrumentos harmônicos, só percussões e vozes, na sua língua original, certamente sincretizado, sem tradução. Os sambistas Getúlio “Amor” Marinho e Mano Elói Antero Dias (também pai-de-santo), acompanhados de “Conjunto Africano”, gravaram os cânticos de domínio público “Ponto de Inhansan” e “Ponto de Ogun” e logo depois “Canto de Exu” e “Canto de Ogun”, quatro faixas em dois 78 rotações lançados pela gravadora Odeon. Amor, em especial, em breve estaria envolvido em muitas outras gravações do tipo, com seu conjunto Gente do Amor e ao lado de cantores como Mulatinho, apelido de Antonio Moreira da Silva. Mas ainda não era o principal: Mano Elói e Amor estavam envolvidos com os primórdios das escolas e do carnaval do Rio e se dedicariam principalmente ao samba – no mesmo 1930 o Conjunto Africano lançou o samba “Não vai no candomblé” (Odeon 10.719), de Eloi Antero Dias.
Nei Lopes, em seu artigo “A presença africana na música popular brasileira”, de 2005, escreve: “Em 1930, Mano Elói tornou-se o pioneiro do registro em disco de cânticos rituais afro-brasileiros. Nesse ano, com o Conjunto Africano, gravou um ponto de Exu, dois de Ogum e um de Iansã. Seu companheiro nessa empreitada foi outro sambista pioneiro, o legendário “Amor”, sugestivo apelido de Getúlio Marinho da Silva. (…) O pioneirismo dos sambistas Amor e Mano Elói deve-se ao fato de eles terem levado para o disco verdadeiros cânticos rituais, executados e interpretados como autênticos pontos de macumba, com atabaques etc.”
O segundo dos 78s em especial, com os cantos para Exu e Ogum, impressionou tanto Mário de Andrade que na cópia do disco que tinha em sua coleção anotou na capa: “Parece cientificamente perfeito.” Notando e analisando os aspectos melódicos e rítmicos, considerou: “Uma peça notável de macumba traz admiravelmente expressa essa liberdade rítmica, que torna a linha oscilante e desnorteadora, é o ponto de Ogum. A rítmica está criada nele fugitivamente, e apresenta uma série de dois compassos ternários, seguida sempre dum compasso binário. Mas essa qualidade ainda não é a mais admirável desse ponto de Ogum. A força hipnótica da música é mesmo apreciadíssima do nosso povo, e constantemente ele usa dum processo curiosíssimo, verdadeiro compromisso rítmico-tonal, que consiste em fazer o ritmo não acabe ao mesmo tempo que a evolução tonal da melodia, o que leva a gente a recomeçar a peça pra que a melodia acabe tonalmente. Em música, se pode dizer que o povo brasileiro já inventou o moto-contínuo.”
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Benedito Lacerda e Grupo Gente do Morro – Olha Congo (Dario Ferreira) (78 rpm Brunswick 10.100, 1930) – Macumba
Depois de tocar saxofone em algumas orquestras de jazz e tocar em cinemas e dancings acompanhando cantores como Josephine Baker, o flautista Benedito Lacerda (que o tempo reconheceria como um dos maiores de nossa história) estava interessado em tocar mais ritmos brasileiros e fundou em 1930 o Grupo Gente do Morro, em que tocava acompanhado por dois violões, cavaco, dois tamborins, chocalho e pandeiro. Entre vários sambas (e algumas emboladas e marcha) gravadas no primeiro ano do grupo, Benedito gravou uma macumba – cantando (e com belo solo de flauta), “Olha Congo”, assinado por Dario Ferreira, com letra falando em feitiço, candomblé, encruzilhada, Omulu, Pai Xangô, gravada com pequenas alterações na formação do grupo para soar mais “terreiro”, mas com a levada geral no violão.
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Elsie Houston acompanhada por Gaó, Jonas e Zezinho – Cadê minha Pomba Rola (78 rpm Columbia 7.014, setembro de 1930) – Vocal-batuque
Cantora lírica, amiga de Mário de Andrade e Luciano Gallet, intérprete de Villa-Lobos, Elsie Houston gostava mesmo era de temas tradicionais, canções folclóricas, achados recolhidos e harmonizados. Entre fins dos anos 20 até sua morte em 1943, gravou dezenas de faixas, em Paris, Nova York e Rio, a maioria de temas do folclore arranjados e adaptados por nomes como Hekel Tavares, Jayme Ovalle, ela mesma. Em 1930, entre Cole Porter e Ary Kerner, gravou o samba “Macumbagelê”, os cocos populares “Ê Jurupanã”, “Aribu”, “Coco Dendê Trapiá” e as canções tradicionais “Ai sabiá da mata” e “Puxa o melão sabiá”. E o batuque também chamado de macumba “Cadê minha pomba rola?”, tema adaptado por ela, cantando “Eh-eh-eh / Eh-eh-ah” e versos como “para ser bonita e bela não precisa andar ornada / basta minha cor de canela, não tenho inveja de nada”, com batuque no tampo do violão, levada não muito diferente da de Stefana de Macedo, um trompete com surdina na introdução e sua voz divina. Claro que Mário de Andrade a adorava. Sobre “Pomba rola” (in: “Aspectos da música brasileira”), escreveu: “Que admirável e exata riqueza de vogais surdas!…Os seus nasais, o seu roliço aflautado, a sua limpidez de emissão se equiparam exatamente aos das cantoras afro-ianques de espirituais, quando boas”.
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Mota da Mota com acompanhamento de coro e instrumentos típicos – São Benedito é ôro só / Vou Girá (78 rpm Victor 33.380, g.09/1930, l.12/1930) – Jongo
Mota da Mota com acompanhamento de coro e instrumentos típicos – Noite de São João / Dentro da Toca (Mota da Mota) (78 rpm Victor 33.421, 1931) – Jongo-Batuque
Mota da Mota era cantor de São Paulo famoso no rádio e conhecido como “o creador do jongo africano”. Fazendo a fama, no fim de 1930 gravou para a Victor dois 78s, jongos-batuques com o que Mário chama de “adaptação admirável dos processos musicais de Maracatus”. “Noite de São João” com fala de preto veio, refrão “dendê-dandá / dandá-dendê”, som de cuíca grave, todas com percussão pesada, vocal chamada e resposta com o coro. Em pouco tempo, “São Benedito é ôro só” seria hit nas apresentações do Conjunto Tupi na voz da cantora Índia do Brasil.
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Filhos de Nagô – Candomblé – Oduré-Eriuá / Candomblé – Canto de Exu-Canto de Ogum (Felipe Neri da Conceição) (78 rpm Parlophon 13.254, abril de 1931) – Macumba
Se Mano Elói e Amor gravaram o primeiro disco com autênticos pontos de macumba, o primeiro disco de candomblé “genuíno” só pode ser os Filhos de Nagô, lançado seis meses depois do disco de Amor e Mano Elói, em abril de 1931, pela gravadora Parlophon, “sob a direção” do provavelmente pai de santo Felipe Neri da Conceição. Disco pouco conhecido e pouco ouvido, mas altamente importante e histórico, um dos mais antigos e “puros” registros de um genuíno som de terreiro brasileiro, tambores pesados e cantos em iorubá nagô, com quatro faixas, incluindo a hipnotizante “Exu Tiriri” e a primeira versão conhecida em disco do tema “Ogundê”, dez anos depois cantado por Bidú Sayão, nos anos 60 tocado por John Coltrane e em 1973 reinventado pelos Tincoãs. Em um 78 rotações com dois cantos de cada lado, os Filhos de Nagô lançaram disco profundo, mais próximo de uma gravação de campo etnográfica do que disco comercial, com sem adaptações rítmicas, harmônicas, melódicas ou de letra. “Disco interessantíssimo, de grande importância folclórica”, escreveu Mário na capa de sua cópia do 78. O Correio da Manhã falava em “mysterioso candomblé” e “selvageria dos batucadores e melopeistas”.
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Pilé (Manoel dos Santos) – Batuque no terreiro (Antonio Cardia) (78 rpm Ouvidor 2.011, 1931) – Macumba
Ouvidor, pequena gravadora de São Paulo. Alguém tem alguma informação sobre este disco e/ou pista de como escutá-lo?
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J.B. de Carvalho – E vem o sol / Na minha terrera (J.B. de Carvalho) (78 rpm Victor 33.420, 1931) – Macumba
Conjuncto Tupy – Cadê Viramundo? (J.B. de Carvalho) (78 rpm Victor 33.459, 1931) – Macumba
Conjunto Tupi – Nego do pé espaiado / Rei de fogo (J.B. de Carvalho) (78 rpm Victor 33.482, 1931) – Macumba/Jongo
Conjunto Tupi – Palavra de Caboco (J. B. de Carvalho) Victor – 33.530 (1932) Jongo
Conjunto Tupi – No terreiro de Alibibi (Gastão Viana) / Mironga de moça branca (Gastão Viana e J.B. de Carvalho) (78 rpm Victor 33.586, 1932) – Macumba
João Paulo Batista de Carvalho, aliás J.B. de Carvalho, já em seu primeiro disco estreou cantando dois “batuques de macumba”: “Na minha terrera” e “E vem o sol”, que Mário de Andrade comentou ser “uma das poucas linhas tradicionais de macumba que conheço”, “já recolhida por por compositores diferentes e por mim”, ainda anotando, “notar no início do disco o assobio de caráter exorcístico, usado pra afastar os espíritos maus”. Umbandista, no começo dos anos 30 J.B. se apresentava em programas de rádio ao lado de seu Conjuncto Tupy tocando temas afrobrasileiros recolhidos por ele e assim se tornou famoso, talvez o primeiro a se dedicar e capitalizar longamente com a música ritualística. Em 1931 gravou seu primeiro sucesso, “Cadê Viramundo”, pelo qual foi conhecido até o fim da vida, sobre o qual escreveu Mário na época: “A voz do negro é estupenda como caráter”. Solo ou com o Tupi, J.B. lançou vários sambas e marchas, mas sempre lembrando dos pontos e sempre memorável quando a eles se dedicava, como nas profundas “Palavra de caboco” e “Rei de fogo” e na linda “No terreiro de Alibibi”.
Em junho de 1931, nota dava a formação do Conjunto Tupi, em aparição na rádio Mayrink Veiga: Attilio Verlani Gieri, Pedro Gomes, Francisco Silva, Daniel Ferreira, Euclydes José Jesus e Lucio, sob a direção de João Carvalho. Já em setembro de 1932, apareciam listados como sendo “11 figuras – 9 homens e 2 pequenas” (embora a ficha desse uma mulher e dez homens): o líder J.B. de Carvalho, a cantora Índia do Brasil, Francisco Sena e Olívio Carvalho nas vozes, Henrique Caetano e José Correa da Silva nos violões, Euclydes José Moreira no banjo, Pedro Nascimento na cabaça, Alberto Rodrigues na voz e cuíca e Abelardo Neves no saxofone, além de Herivelto Martins.
Gravada em junho e lançada em agosto de 1932, a faixa “No terreiro de Alibibi”, assinada por Gastão Viana, depois também com o nome de Pixinguinha somado à autoria da adaptação, é uma das duas músicas que Mário de Andrade discotecou na sua conferência “Música de Feitiçaria no Brasil” em 1933, junto com o canto de Ogum de Mano Eloi e Amor. De fato, é uma das gravações mais sublimes da seleção, em dueto de J.B. com fantástico vocal feminina, talvez Índia do Brasil. Com formação de vocal, coro masculino, voz feminina, percussões, violão e banjo, nessa época eram membros do Conjunto Tupi Francisco Sena e Herivelto Martins, que dentro do próprio show do Conjunto Tupi começaram a cantar juntos como Dupla Preto e Branco, em breve saindo para seus próprios discos e apresentações e pouco depois se tornando o Trio de Ouro com Dalva de Oliveira, e em todas as formações levariam as influências de terreiro. Aqui, meia dúzia de anos antes de Dalva, Herivelto e Francisco Sena já estava prestando atenção, “Alibibi” é praticamente a invenção do som do vindouro Trio de Ouro – vocal agudo, levada tranquila, introdução com gosto de lamento afro, tema principal balançado. J.B. seguiu lançando discos até a era do LP, cada vez mais dedicado à umbanda e até hoje cultuado e um dos primeiros lembrados quando se fala nas primeiras gravações de temas afrobrasileiros.
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André Filho – Anduê, Anduá (Maximiniano F. da Costa) (78 rpm Parlophon 13.382, março de 1932) – Macumba
Outro lançamento do selo Parlophon, depois do impressionante Filhos de Nagô, com André Filho – autor de “Cidade maravilhosa”, parceiro de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres, gravado por Camen Miranda, Silvio Caldas, Francisco Alves -, ainda em seus primeiros anos de carreira, em dueto com “Marolino Silva”, que tudo indica ser pseudônimo de J.B. de Carvalho e o Conjunto Tupi (que gravavam pela Victor), cantando a macumba “Anduê, Anduá”, assinada por Maximiniano F. da Costa. Com banjo, violões, coro masculino, voz feminina e letra Nagô.
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Antonio Moreira (Mulatinho) com Gente do Amor – “Ererê” / “Rei de Umbanda” (de Getúlio Marinho Amor) (78 rpm Odeon 10.878, janeiro de 1932) – Pontos de Macumba
Antonio Moreira (Mulatinho) com a Gente do Amor – “Auê” / “Cafioto” (Getulio Marinho Amor) (78 rpm Odeon 10.917, 1932) – Macumba
Antonio Moreira (Mulatinho) com a Gente do Amor – “Na mata virgem” (Getúlio Marinho Amor) / “Aruê de Ganga” (Cícero de Almeida Bahiano) (78 rpm Odeon 10.925, novembro de 1932) – Macumba
O rei do samba de breque começou cantando macumba com Amor. Oito anos antes de gravar “Acertei no milhar”, de Wilson Batista e Geraldo Pereira, em 1940, e o samba de breque nascer oficialmente, o futuro Kid Morengueira estava estreando em disco com os pontos “Ererê” e “Rei de umbanda”, acompanhado do grupo Gente do Amor, de Getúlio Marinho, também autor das adaptações dos temas. Depois desse primeiro, o “Mulatinho” Antonio Moreira da Silva no mesmo ano gravou outros dois 78s com pontos com Amor e foi um bom tempo conhecido como cantor de temas afrobrasileiros. Comentando o primeiro lançamento, o Correio da Manhã publicava texto exemplar: “Cada vez mais atrai a atenção a arte estranha e impressionante da Macumba pela riqueza que possui de aspectos, sempre fértil em invenções sugestionadoras que traduzem inúmeros fenômenos de ordem psicológica. É que a Macumba sendo religião e também expressão estética, se tornou o desabafo das raças negras roubadas à sua África e, o que ainda mais interessa, se converteu, assim, no laço que mantém os descendentes nativos da Nigéria, Angola e tantas outras regiões, unidos entre si na forma de comunidade espiritual cheia de encantos por causa dos seus mistérios. (…) Chapas em que flagrantes (…) das cerimônias macumbeiras são comunicados aos profanos para que admirem e estudem o que há de surpreendente na sua manifestação musical e aos filiados para que em seu lar, mesmo fora das horas da madrugada e do alucinante ambiente religioso, devem o espírito à alma infinita da nação negra. (…) A gravação foi caprichada e o pessoal da Macumba soube construir com habilidade um quadro que perturba.”
O Jornal do Brasil, em reportagem no mesmo dia, lembrava que Amor era o pioneiro e que suas “primitivas produções” haviam dado “animação para outras do gênero”, perfilando “o introdutor das músicas de macumba” e os “sons rythmados de canções de Angola”, com o maravilhoso título A Vitória da Nostalgia Africana: “O arraial do samba foi invadido foi este pelas músicas bravias do Congo. Elas se apresentam em indumentário nativa, sons misteriosos e compassos neuróticos – por isso mesmo venceram. A sua experimentação ao sabor popular data do ano passado, com duas autênticas toadas africanas – Macumbembê e Inhançam. Uma e outra carregam a roupagem rústica dos angoleses. O seu autor fê-las em dialeto africano, respeitando com carinho a linguagem dos seus antepassados. Getúlio Marinho é o autor. Ele tem a prioridade no assunto. Jacta-se com razão de ter entrado com suas chamadas macumbadas através do rádio e vitrolas nos salões desde os mais austeros aos casebres mais humildes. É uma verdade. As suas primitivas gravações da fala linha de umbanda deram-lhe popularidade e animação para outras do mesmo gênero. Getúlio Marinho, ou melhor dizendo, Amor, como é conhecido na roda de samba, fez, então, no mesmo ponto de macumba, “Ererê” e “Rei de umbanda”, músicas estas recentemente lançadas e que estão fazendo sucesso. Em “Ererê” e “Rei de umbanda” o autor preocupou-se um pouco no andamento da música, respeitando o ritmo, fê-las próprias para serem dançadas nos salões. Assim, estilizou as toadas de macumba, enfarpelando-as para as salas mais exigentes. Muita gente, de princípio, teve escrúpulo em cantá-las, porque aí por fora apontavam o autor como sacrílego por estar revelando os segredos de Ogum. Queriam criar para as músicas o mesmo ambiente que se criou para o fósforo de cera – jetatura, cuja superstição venceu ao raciocínio. Com Getúlio Marinho não conseguiram nada. O homem é de circo e tem bom santo, soube entrar de pé direito com as suas músicas.“
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João Quilombô – Pisa no toco / Quilombô (Getulio Marinho Amor) (78 rpm Parlophon 13.400, 1932) – Ponto de Macumba
Também Parlophon, com dois pontos assinados por Amor e interpretados por João Quilombô. Os ritmos são quase de lundu e samba, mas com interpretação e características inconfundivelmente “macumbeiras”. O blog Chiadofone comenta que João Quilombô seria pseudônimo de Moreira da Silva com Amor – que gravavam pela Odeon -, mas Humberto Franceschi diz que seria um babalaô da época que também gravava. Franceschi também conta uma história ótima do compositor Bucy Moreira (neto de Tia Ciata), sobre como aconteceu de gravar-se pela primeira vez pontos no Brasil, quando o presidente (até 1918) Venceslau Brás ganhou uma ajuda do Pai de Santo João Alabá e toda a música afrobrasileira ganhou proteção do país.
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Antenor Silva – Oi Macumba / Trabaio si eu quisé (Aurora Lemos) (78 rpm Arte-fone 4.012, 1932)
Obscuro disco da obscura gravadora Arte-Fone, de São Paulo, com dois batuques assinados por Aurora Lemos e interpretados por Antenor Silva: “Oi Macumba” e “Trabaio si eu quisé”. O primeiro de interesse especial, levado por cavaquinho (ou banjo), coro e saxofone, sem percussão, com ritmo quase de embolada e letra falando “vai o samba começar” e “meu pandeiro é da Bahia”, mas com o refrão marcado: “oi macumba, oi macumbá”.
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Grupo da Guarda Velha com Zaíra de Oliveira e Francisco Sena – Cadê Viramundo (J.B. de Carvalho) (78 rpm Victor 33.507, g.12/1931, l.1932) – Macumba
Grupo da Guarda Velha com Zaíra de Oliveira e Francisco Sena – Que querê (Donga, Pixinguinha, João da Baiana) (78 rpm Victor 33.509, janeiro de 1932) – Macumba
Grupo da Guarda Velha com Zaíra de Oliveira e Francisco Sena – Xou kuringa (Pixinguinha, Donga, João da Baiana) (78 rpm Victor 33.573, maio de 1932) – Macumba
Francisco Sena e Yolanda Osório com os Diabos do Céu – Meus orixás (Gastão Viana) / Quem tá de ronda (Príncipe Pretinho) (78 rpm Victor 33.953, 1933) – Macumba
No mesmo ano em que estreava em disco o Conjunto Tupi, do qual fazia parte, Francisco Sena também gravou alguns discos solo, como o samba batucada “Já andei” e a macumba “Que Querê” (assinado por Donga, Pixinguinha e João da Baiana), cantando ao lado de Zaíra de Oliveira, mulher de Donga. O próprio João da Baiana regravaria “Que Querê” menos de dez anos depois, em 1940, a bordo do navio Uruguay. E Francisco Sena, logo depois de sua gravação, ainda em 1932, junto com o Grupo da Guarda Velha (reunido por Pixinguinha, com João da Baiana, Donga e grande banda de sopros, percussões, cordas, bateria, baixo), gravava ainda a macumba ”Xou Kuringa” (“o tema parece influenciado”, escrevia Mário) e no ano seguinte 78 com de um lado “Meus Orixás”, cantando com Yolando Osório, e do outro “Quem tá de ronda” (que em 1942 seria regravada pelo Trio de Ouro).
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Aurora Miranda – Mamãe Isabé (Pixinguinha e João da Baiana) (78 rpm Odeon 11. 036, g.06/1933, l.07/1933) – Macumba
O talento e sucesso de Carmen Miranda era tão grande que não podia ser coisa única na família: sua irmã Aurora em 1933 também pode mostrar a voz e começar a gravar, já em seu segundo disco registrando uma “macumba” de Pixinguinha e João da Baiana, “Mamãe Isabé”. Interpretando uma Mãe de Santo, já na abertura Aurora ouve “eu vim aqui pra senhora me fazê um trabalho, pra tirá esse ebó de cima de mim” e já responde “pois sim, meu fio”, anunciando a entrada dos sopros. O pandeiro quase puxa pro samba, mas o batuque puxa a letra sobre ir no candomblé.
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