Sincretismo, ancestralidade, devoção e resistência. As Taieiras são grupos de mulheres que, ligadas às festividades da congada, cantam e dançam para louvar Virgem do Rosário e São Benedito, padroeiros dos negros no Brasil, desde os tempos coloniais. A notícia mais antiga que temos das Taieiras vem do Recôncavo Baiano. Na Relação das Faustíssimas Festas (1762), Francisco Calmon observou as “Talheiras e Quicumbis” no Reinado dos Congos da Vila de Nossa Senhora da Purificação em Santo Amaro.
Cem anos depois, as Taieiras foram escutadas e anotadas no município de Lagarto, em Sergipe. Silvio Romero, sergipano, anotou os versos do folguedo e publicou no conhecido Cantos Populares do Brasil (1883), em um capítulo dedicado a reinados e cheganças: no dia de Reis, mulheres negras vestidas de fitas festejavam em procissão sua devoção e pediam licença para tocar o cucumbi (instrumento musical de origem africana).
Os versos das Taieras só seriam registrados em notação musical décadas depois pelo musicólogo baiano Guilherme Theodoro Pereira de Mello no livro A Música no Brasil: dos tempos coloniais até até o primeiro decênio da República (1908). Com algumas variações, a mesma melodia foi ouvida e anotada no Pará, por Luciano Gallet, em São Paulo, por Mário de Andrade, e em Minas Gerais, por Oneyda Alvarenga.
Elsie Houston, que tinha estreado essa canção com harmonização de Luciano Gallet no Teatro Cassino em julho de 1926, só foi gravar “Tayêras” em 1941, nos Estados Unidos (RCA Victor). No livro Chants Populaires du Brésil, de 1930, Elsie a descreve como um “canto negro das festas do Congado interpretada por três negras vestidas de branco” na Bahia e compara a canção aos spirituals dos Estados Unidos.
O primeiro a gravar a louvação em disco foi o cantor Bahiano, por volta de 1910, para a Casa Edison, como “Lundu do Norte” (Odeon 108.539). A manauara Olga Praguer Coelho também fixou o tema em goma-laca “Virgem do Rosário” em 1935 como “lundu imperial do Séc. XVIII” (Victor 34.042). Taieiras também foi gravada por Clara Petraglia em 1958, e por Inezita Barroso, duas vezes, a primeira com orquestra arranjada por Guerra Peixe em 1954 (RCA Victor 80-1315), e a segunda com violão, já em LP.
Bahiano, Lundu do Norte,1910 (Odeon108.539)
Olga Praguer Coelho, Virgem do Rosário, 1935 (Victor 34.042)
Elsie Houston, Tayêras, 1941 (RCA Victor)
Inezita Barroso, Taieiras, 1954 (RCA Victor 80-1315)
Inezita Barroso, Taieiras,1958
Clara Petraglia, Tayêras, 1958 (Sinter)
Em Laranjeiras (SE), as Taieiras são Patrimônio Imaterial Sergipano e até hoje festejam sua devoção. Em 1976, as Taieiras foram gravadas na série Documentário Sonoro Do Folclore Brasileiro (FUNARTE).
Em entrevista, Maria do Espírito Santo, do grupo das Taieiras de Laranjeiras, explica a origem da tradição.
Juntando as contas e os versos de um rosário musical de muito mais que trezentos anos, as Pastoras do Rosário da Penha (SP) vibram em coro: Taiê Ajuê!
Citação em oração: “Rosário de Contas”, de Tita Reis. Música incidental: “Meu São Benedito”, Taieiras de Laranjeiras, Sergipe, “Documentário Sonoro do Folclore Brasileiro Nº 9”, de 1976.
Alessandra Leão Voz, Ilu e ganzá | Jhony Guima Congas | Marcos Paiva Contrabaixo Acústico | Filipe Massumi Violoncelos | Pastoras do Rosário: Carla Lopes, Dona Margarida, Lara de Jesus, Majestade Sol, Marlei Madalena, Neuza Lima, Sandrinha do Rosário, Wilma Silva Coro | Dona Margarida Apresentação | Lara de Jesus, Majestade Sol, Carla Lopes, Marlei Madalena Vozes Solo
Virgem do Rosário, senhora do mundo
Dai-me um copo d’água senão vou ao fundo
Inderêrerê, ai Jesus de Nazaré
Meu São Benedito é santo de preto
Ele bebe garapa, ele ronca no peito
Inderêrerê, ai Jesus de Nazaré
Meu São Benedito, lhe venho pedir
Saúde e glória pra nosso servir
Inderêrerê, ai Jesus de Nazaré
Que santo é aquele que vem no andor
É São Benedito mais nosso senhor
Inderêrerê, ai Jesus de Nazaré
Meu São Benedito já foi cozinheiro
E hoje ele é santo de deus verdadeiro
Inderêrerê, ai Jesus de Nazaré
Que santo é aquele que vem na charola
É São Benedito mais Nossa Senhora
Inderêrerê, ai Jesus de Nazaré
Virgem do Rosário, vossa casa cheira
A cravo, a rosa e a fulô da laranjeira
Inderêrerê, ai Jesus de Nazaré
Meu Såo Benedito, venho lhe pedir,
Pelo amor de Deus pra tocar Cucumbi
Inderêrerê, ai Jesus de Nazaré
Etnomusicologia das Taieiras de Sergipe: Uma Tradição Revista (Hugo Leonardo Ribeiro, 2003)
ALVARENGA. Oneyda. Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro. Editora Globo, 1950.
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a Música Brasileira. São Paulo, Martins, 1974.
GALLET, Luciano. Canções Populares Brasileiras. Séries 1, 2 e 3 (1924, 1927 e 1928). Disponível no site do Instituto Piano Brasileiro.
HOUSTON-PÉRET, Elsie. Chants Populaires du Brésil. Paris: Librairie Orientaliste Paul Geuthner, 1930.
ROMERO, Sílvio. Cantos populares do Brazil (Volume I). Lisboa: Nova Livraria Internacional – Editora, 1883.
MELLO, Guilherme Theodoro Pereira. A Música no Brasil: desde os tempos coloniais até o primeiro decênio da República. 2 ed. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional, 1947.